“- O quê?!”
Nem queria acreditar no que estava a ouvir o meu filho dizer no banco de trás do carro.
“- Sim mãe, põe a música só mais uma vez desde o princípio para eu ouvir!”
Tudo isto vos parece uma conversa banal entre mãe e filho, não fosse o facto de estarmos à porta do ATL, o relógio apontar para as 8h30m e eu estar meia hora atrasada e, “oh meu Deus!” aquela música outra vez, que ouvimos várias vezes durante a viagem, com buzinadelas e confusões de trânsito do costume à mistura!
Há uma questão com os relógios todas as manhãs da nossa rotina diária – os nossos e o dos nossos filhos.
No outro dia de manhã, apareceu-me na cozinha com uma enorme quantidade de autocolantes do Wrestling e a pedir para irmos colar na parede do quarto. Eu preparava o pequeno-almoço (porque não somos daquelas famílias que comem tudo no carro) e respirei bem fundo! Tão fundo que se deve ter ouvido nas caves do prédio! Depois, contei até onde o meu cérebro mo permitia àquela hora da manhã e, além de achar irreal alguma vez o meu filho ter o seu lindo quarto forrado com figuras muito para além do inimaginável, tive naquele momento a visão etérea de que o acordar dos crescidos está a anos luz do acordar destes cérebros ainda pequenos que temos cá em casa. Pequenos só no tamanho, porque em termos de imaginação, ganham-nos aos pontos.
Na altura, apetece começar a fazer aqueles discursos do costume, tipo rol de lamentações misturado com, “é este o resultado da educação que te estamos a dar” e com uns pozinhos de “só podes mesmo estar a brincar comigo” mas, consegui dizer, a muito custo que só o respirar que ainda estava na cave me permitiu:
“- Oh querido, vai lá pôr isso no teu quarto que logo quando chegarmos a casa vemos isso!”
O que me custou dizer isto, só eu sei! O que me custou não gritar, sabe o sono que ainda tinha!
Mas, digam-me lá o que se passa com estas crianças?
Durante a semana - que andamos todos a reboque para não chegarmos atrasados - é a muito custo que saem da cama, depois ajudamos a vestir para tornar tudo mais rápido e fica por terra a teoria da autonomia no vestir e despir, e vá lá, os pais têm que colaborar, senão nunca mais conseguem vestir-se sozinhos… e, lembrei-me agora, temos os fins de semana, porque como podem dormir até mais tarde e as horas são mais nossas, podem vestir-se sozinhos vezes sem conta porque se levantam às sete da manhã na mesma e nem sequer se lembram da ideia peregrina de colar o que quer que seja porque, salvo raras excepções, ficam agarrados à televisão como se a estivessem a olhar pela primeira vez e, nós, pais e mães caídos de sono, vamos só dormir mais um bocadinho e sonhar com… o Wrestling esperemos que não!!!
Andamos mesmo descompassados com os relógios internos dos nosso filhos, verdade?
Célia Gandres (Psicóloga Educacional e Mãe)