sábado, 5 de março de 2011

A CANJA E OS AFECTOS

Falar de Canja exige-nos, em primeiro lugar uma reverência. Não estamos a falar de uma sopa qualquer. Nem sequer a considero como sopa. Há crianças que, quando a vêem gritam entusiasmadas – “Hoje é sopa de canja!”
Não há sopa de canja, meus queridos: há canja e há sopa! Não pensem que estou aqui a fazer um abaixo assinado a qualquer uma das outras sopas, tipo Mafalda (a do Quino). Hum, nada disso. Digo desde já que sou fã incondicional de qualquer sopa, seja de que legumes forem - eu venero todas as sopas!
 É mesmo verdade, e não estou a dizer isto apenas porque vivemos actualmente com os síndromes vegetarianos, naturalistas, mediterrânicos, vegan, nutricionistas… – tudo isto que nos fazem tremer e ter um peso enorme na consciência quando ingerimos algo que não se enquadra nestas leis de saber comer e saber viver saudavelmente.
E, já estou a fugir ao tema da Canja. Aqui voltamos.
Com a Canja tudo é diferente. A Canja (hoje é escrita em maiúsculas para a venerar ainda mais) tem muito que ver com colo materno, com os afectos positivos que nos transportam à infância ou a qualquer outro momento depois da infância em que fomos muito acarinhados. Canja não é só o caldo da galinha cozida com massa (cuscus, são as minhas preferidas), uma pitada de sal e aquele sabor inconfundível e muito único. Canja não é só isto. O que descrevi é o que vemos quando temos a Canja diante de nós a fumegar.
Canja é o carinho materno que nos envolve e nos aquece por dentro quando o mundo à nossa volta teima em agredir as nossas sensibilidades com temas e vivências que só julgamos possíveis nos filmes. Canja é olharmos à nossa volta e sentirmos que estamos acompanhados por uma mãe e um pai que nos amam incondicionalmente e nos dão a estrutura interior para crescermos saudavelmente. Pode ser só a mãe, como pode ser só o pai, ou os avós. O que importa é que são as figuras parentais que nos fazem ter uma personalidade organizada e equilibrada.
Não precisamos de tomar medicamentos quando sentimos tudo isto ao ver a Canja diante de nós. Muitas vezes, quando éramos crianças e estávamos doentes lá estava a Canja à nossa frente. Na altura, podíamos até não gostar – que chatice ter que comer Canja outra vez! – e, como nos obrigavam, a nossa retaliação interior persistia.
Mas, depois, crescemos. Pode até tudo ficar um pouco mais diferente mas, a Canja continua lá, como que a dizer-nos: estás fora, segues o teu caminho mas eu aqui permaneço para o que der e vier. E, é neste “para o que der e vier” que sentimos que vamos ficar sempre unidos. Muito parecido com o que a mãe e o pai dizem quando nos afastamos um pouco. Muitas vezes vamos só ali até à outra rua, que pode ser noutro país, mas fica em nós a Canja.
Fica o sentimento da Canja! Para que, quando temos diante de nós aquela água quente com umas massas ou arroz a boiar não seja apenas isso mas seja a Canja que nos faz seguir em frente nas nossas vidas, amados e acarinhados por dentro.
Para o que der e vier!
Até breve
Célia Gandres
Para a próxima falaremos das Torradas!

1 comentário:

  1. Adorei a metáfora, sentimentos emoções que afloram quando percebemos que nas coisas simples,triviais da vida,como a canja, tem muita importância, histórias, emoçoes embutidas que como vc diz acarinham nossa vida!

    ResponderEliminar